segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Da Mulher Submissa À Rebelde Em O Cortiço: Bertoleza E Rita Baiana

Autor: MARILIA DO AMPARO ALVES

INTRODUÇÃO

Historicamente, a figura da mulher na literatura foi exposta de várias formas, idealizada no Romantismo e  objetiva no realismo e Naturalismo, Neste
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*Artigo apresentado ao Prof.Dr.Vitor Hugo Fernandes Martins, da disciplina Estudo da Produção literária no Brasil, do Curso de Letras Vernáculas, da Universidade do Estado da Bahia, Campus XXI, como requisito para complementação de nota.
**Discente do segundo semestre, vespertino.                                                       
artigo, propomos uma reflexão sobre as representações da mulher na estética naturalista, analisando  as personagens: Bertoleza e Rita Baiana no romance O cortiço de Aluísio Azevedo.
            ALUÍSIO Tancredo Gonçalves de AZEVEDO (1857 – 1913), nascido em São Luís no estado do Maranhão, além de escritor exercia as seguintes funções: Jornalista, romancista, contista, teatrólogo, cronista, caricaturista. “O grande nome do naturalismo brasileiro”, dessa forma, os críticos atuais o classifica, O cortiço, uma de suas mais importantes obras, trata-se de um romance escrito em 1881, e imortalizado por tratar de questões de grande relevância, no seu conteúdo, as questões sociais, de gênero, racial, podem ser observadas na obra.
            Nossa leitura de O cortiço será feita observando o papel da mulher na literatura através da categoria narrativa Personagem, e de forma mais especifica identificando a presença feminina em O cortiço através das personagens Bertoleza e Rita Baiana e reconhecendo nelas a mulher e suas representações de escrava na sociedade e também sua sensualidade.

            Para fazer essa análise ao seguinte suporte teórico:  Beth Brait (2004); Afrânio Coutinho (2002, ); Massaud Moisés (1976).CORRÊA, 1996; Reinaldo Dias,(2000); FALEIROS (1991); Paulo Freire (1996); Massaud Moisés, ( 1976). Os autores citados deram grande contribuição para esse estudo. A edição de O cortiço que utilizamos para elaboração deste artigo foi a 28ª da Editora Ática, São Paulo, 1995.

            O Cortiço Trata-se de um Romance, E um Romance de grande importância no Naturalismo “ (...) O Romance (...) espelho dum povo, a imagem fiel duma sociedade” (Moisés, 1976.p.159).

            Este artigo é composto de uma seção dividida em três subseções. Em I - intitulada A PRESENÇA FEMININA NO NATURALISMO, analisaremos de que forma a mulher é representada no Naturalismo brasileiro; na subseção I. 1 DA MULHER SUBMISSA À REBELDE EM O CORTIÇO, faremos um estudo dos    comportamentos das personagens Bertoleza e Rita Baiana, sendo a primeira submissa e a segunda rebelde; na I.2 BERTOLEZA, estaremos tratando especificamente da personagem citada, fazendo uma análise de sua situação de submissão; na última subseção I.3 RITA BAIANA, observaremos a quebra de paradigmas provocada pelo comportamento da personagem.
           

I A PRESENÇA FEMININA NO NATURALISMO

            As relações entre homens e mulheres, ao longo dos séculos, mantém caráter excludente, no Naturalismo a mulher deixa de ser idealizada como no Romantismo e passa a ser representada de forma real, com suas implicações e defeitos, e até mesmo de forma exagerada, e trabalhada psicologicamente, pois essas são marcas do Naturalismo, até mesmo de forma patológica ela é representada, além de animalesca.

            Assim como as demais personagens as mulheres têm traços patológicos, apresentam desvios; em O cortiço há o lesbianismo, a sensualidade, adultério etc , tudo isso representado na figura da mulher.

            No naturalismo e em O cortiço, pode-se notar também os tipos de mulheres:

            Ocorre dessa forma a presença da mulher no Naturalismo, com a narrativa lenta ela é aos poucos caracterizada da forma citada acima.


I.1 DA MULHER SUBMISSA A REBELDE EM O CORTIÇO
            A exclusão social da mulher é secular e distinguida. A compreensão sobre a categoria bi polarizada do sexo tolera indicações dos nortes da exclusão social fundamentada na diferença, essa é também uma realidade do século XIX.

            Na estética naturalista a mulher é representada como agente da realidade, por diversas vezes como sedutora. Na obra de Aloísio Azevedo, ela aparece de forma sensual, como é o caso da personagem Rita Baiana e submissa, como Bertoleza.

            Azevedo apresenta nas duas personagens supra ditas, as suas representações, através delas, mostra suas contradições e exageros próprios do Naturalismo, Coutinho, conceitua o naturalismo da seguinte forma: “É o Realismo fortalecido por uma teoria peculiar, de cunho científico, uma visão materialista do homem, da vida e da sociedade”,(COUTINHO,2002 p.11).

            Assim, o comportamento sensual e de ruptura da personagem Rita Baiana expressa a própria visão naturalista, pois o Naturalismo com a representação da realidade, e pelo fato de O cortiço se tratar de um romance experimental, deixa-se de lado, a representação idealizada da mulher própria do Romantismo.

            Bertoleza com seu comportamento de total submissão ao “seu dono” João Romão, mostra também, como já citamos elementos da estética naturalista, e ao interesse do autor em defender a teoria do Determinismo “o homem é um animal, presa de forças fatais e superiores (...)” (COUTINHO, 2002 p.12),
            Ambos os comportamentos são explicados pela influencia das idéias vigente na época, especialmente do “ambientalismo de Taine”, que acredita firmemente no determinismo acreditando que o meio, raça e momento histórico determinam o ser - humano tal teoria explicaria os comportamentos das personagens aqui estudadas, O cortiço, por se tratar de um lugar onde não há condições descentes de sobrevivência, determinaria o SER de Rita Baiana e Bertoleza.

            Cabe aqui breve discussão sobre as relações entre raça, gênero e processos de estigmatização e estereotipia que enredam identidades femininas nas formas “negra” e a “mulata”, as duas personagens são negras e mulheres, por isso, determinadas racialmente e, além disso, retratadas como mulheres não-idealizadas, Bertoleza chega ao auge da submissão à João Romão, escrava, ela representa a sociedade escravocrata em processo de abolição.


I.2 BERTOLEZA

            Esta personagem, negra e mulher, na condição total de inferioridade, ao lado, ou melhor, aos pés de João Romão, no romance aparece sempre como submissa.

Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. Mourejava a valer, mas de cara alegre; às quatro da madrugada estava já na faina de todos os dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda. (p.17)


            Através deste trecho podemos perceber a condição de escrava que ela vivia, e é importante ressaltar ainda que, o contexto social da época, século XIX marcado pelo advento da sociedade burguesa, advento da ciência no mundo, além das teorias deterministas da época, influenciaram muito na representação que Bertoleza traz.
            Dessa forma, tratando da influência da classe em ascensão burguesia, que tinha como ideais a acumulação de bens, figura que na obra é retratada pelo personagem João Romão, que atua como opressor da personagem por nós estudada, a burguesia visava antes de tudo o controle social que tinha como objetivo o crescimento econômico dessa classe em ascensão.

  [...]as políticas sociais são formas de manutenção de força de trabalho econômica e politicamente articuladas para não afetar o processo de exploração capitalista e dentro do processo de hegemonia e contra-hegemonia da luta de classes.( FALEIROS, 1991.p.80)


            Se fizermos uma analogia desse processo em curso com a vida da personagem aqui citada, notaremos que João Romão representaria a burguesia e Bertoleza os explorados que dariam lucros para que esses crescessem economicamente, “o vendeiro nunca tivera tanta mobília” (p.16) , quando é citada a expressão “o vendeiro” podemos analisar , nessa linha também que a burguesia crescente também era comerciante.

            Já em relação à Cientificidade, que é outra característica da época , pode-se notar que “ o factuaismo científico ou simples coleta de fatos dominou as ciências” (Coutinho 2002,p.23), assim como as ciências sociais foram influenciadas por essa concepção , também o naturalismo assim foi, por isso essa preocupação em Azevedo caracterizar Bertoleza de forma detalhada e científica isenta de emoções.

            Também contribui para que possamos fazer uma análise da submissa, a teoria de Hipólito Taine,

Para ele, todos os produtos do espírito e todos os fatos históricos obedecem a uma lei comum: originam-se (daí a crítica genética) da ação mecânica de três fatores essenciais: duas constantes, a “raça” e o “meio”; e um principio de evolução, o “momento” (Coutinho, 2002p.22)


            Essa teoria de Taine, contestada por muitos teóricos, inclusive Paulo Freire.

Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas pra explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. (FREIRE. 1996, p.60)


            É contrária a essa idéia também a Sociologia, Reinaldo Dias em seu livro “Fundamentos de Sociologia Geral” demonstra isso da seguinte forma.

 [...] do ponto de vista da sociologia, o indivíduo não é responsável pela sua condição social, ele é pobre fruto das relações existentes entre diferentes grupos na sociedade (DIAS, 2000 p.15).


            É possível fazer a análise do pensamento de Taine, não há nenhuma expectativa de movimentação social dos moradores do cortiço, relegadas assim às determinações de maneira suposta já definidas étnicas (raça), social (meio) e historicamente (momento), como acreditavam os naturalistas, identificando em Bertoleza esse determinismo nos três aspectos: sendo que, no aspecto Raça, identificamos na personagem o fato de ser negra, e, além disso, escrava, sabendo que o romance é de uma época abolicionista, em que acontecia a abolição, no entanto, os escravos permaneciam em situação de vulnerabilidade social, passando a ser escravo fora da senzala, “ _ agora, disse ele À crioula, as coisas vão correr melhor para você.você vai ficar forra; eu entro com o que falta ” enquanto esse trecho dá a idéia de libertação, já este  “varria a casa, cozinhava, vendia ao balcão na taverna (...)à noite passava-se para a porta da venda(...)fritava fígado e frigia sardinhas ...” (p.17), nos remete a outro tipo de escravidão.

            Acerca de “meio” percebe-se que o espaço do cortiço influencia de tal forma nos comportamentos dos que ali habita , que mesmo os vindos de outro país , muda seus hábitos e sua personalidade , tornando-se pessoas de hábitos inferiores, como é o caso do personagem Miranda , que ao morar no cortiço diminui consideravelmente seu status social e seu poder financeiro , sendo isso influencia do meio, isto posto, também Bertoleza sofre essa influencia, morando no cortiço não poderia fugir da  sua condição.

            Por fim, na análise do “momento histórico”, a personagem é influenciada de forma ainda mais brusca, já que, se despedindo do regime escravocrata, a sociedade do século XIX é também burguesa, como já citamos, o negro escravo, submisso, cheio de características execráveis, é retratada na personagem.
           
            Dessa forma, podemos concluir esta análise de Bertoleza, tendo ela como a submissa e sendo suas características extremamente influenciadas pelas idéias em ascensão no século XIX.

I.3 RITA BAIANA

A ampla maioria dos escritores brasileiros retratou a mulata da mesma forma, a partir deste preconceito na literatura, verificamos que permanece em O cortiço, o registro da mulata degradada em um ambiente sexualizado, marginal e desvantajoso socialmente, com até insalubridades.  As transformações históricas que atravessava a sociedade da época, não levou a novos critérios para a interpretação das relações raciais, a representação social da mulata, sendo negativo ou positivo continua sendo muito estereotipado.

            Na análise desta segunda personagem, vale ressaltar seu estereótipo de mulher baiana, sensualidade e rebeldia, características presentes em toda obra sempre que se referi a esta personagem.

            Contrária ao retrato da mulher idealizada romântica, Rita é a mulher independente e rebelde, que diferente de Bertoleza, oprime e seduz os homens, desmoronando a idéia de modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas objeto, Rita Baiana criticando até mesmo a instituição casamento vai contra toda uma ordem estabelecida.

            Ainda é possível observarmos que, o desenho da mulata tornou-se um dos símbolos da brasilidade mal disfarçado, por trás do estereótipo de beleza e alegria, uma imagem feminina sexualizada e racializada, notamos isso na personagem aqui estudada, essa figura torna-se ainda mais estereotipada quando ela é também baiana , por si só símbolo sexual.

            Podemos com uma análise mais aprofundada ver que enquanto Bertoleza aparece no livro como negra, Rita Baiana é mulata, ela é mulata, a mulata, ela é caracterizada como bela, sensual perfeita e perfumada e a negra retinta, feia, suja e ligada ao lado pejorativo do trabalho fica na imagem da primeira personagem que estudamos.

            A sensualidade, como uma característica ligada a uma identidade, é uma propriedade e uma marca da mulata de O cortiço, pois a sexualização costuma ser uma figura de controle ou dominação, pois a caracterizando como mulata ela se distancia um pouco da condição de negra, escrava e inferior.
            Por fim, precisamos falar ainda da forma como Rita Baiana é representada fisicamente, essa mulata na obra de Aloísio Azevedo, é marcada por muitos adjetivos, utilizando a sinestesia como figura de linguagem para  descrever as sensações provocadas pelos gostos, cheiros e imagens emanados pela mulata.

[...] seria preciso o talento de Leví-Strauss para o inventário de cheiros, gostos e cores evocados nas frases nas quais a mulata é sujeito.”, mas em geral, lhe é atribuídas qualidades tais como: bons sentimentos e solidariedade humana, gosto pela vida, alegria, beleza, vigor físico, graça, senso estético, habilidades domésticas/culinárias, higiene pessoal e uma facilidade à musicalidade/canto/dança; já seus defeitos, os mais recorrentes são sensualidade, amoralismo, infidelidade, um comportamento instintivo, arrebatador, pouco domesticado e cheio de ardor e a irresponsabilidade, principalmente com os seus trabalhos já que resiste a uma “pândega (CORRÊA, 1996. p. 35-50)
                       
 Azevedo ao exibir o “requebrado luxurioso” de Rita Baiana e “movimentos de cobra amaldiçoada”, ele sexualiza a personagem que envolve o português Jerônimo. Este se hipnotiza com a mulata, a qual o encanta e o torna brasileiro. Não há casamento, eles se amasiam, isto é apresentado como uma opção de Rita, ela acredita que o marido escraviza sua esposa.

       -Casar?Protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai!Casar? Livra! Pra quê?Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre!Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu! (p.16)

           
Essa visão que o autor tem de Rita Baiana, segue a visão da sociedade da época.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Partindo do exposto acima, percebemos que a obra de Azevedo nos oferece uma oportunidade de refletir o papel da mulher na literatura brasileira , especialmente a mulher negra, que como podemos observar é carregada de estereótipos, na análise das duas personagens que estudamos, concluímos que elas são representadas de forma estereotipadas.
            Dessa forma, elaboramos este artigo com a finalidade de poder das contribuições acerca do papel da mulher na literatura brasileira, especialmente em O cortiço, onde ela é marcada por determinismos, apesar das diversas transformações do século XIX, que são contextualizados no livro, a leitura dessa obra é agradável e envolvente, levando-nos a analisar de forma diferente a burguesia da época e o período escravista, e como a mulher negra e pobre vivia.
BIBLIOGRAFIA


COUTINHO, Afrânio. Realismo, naturalismo, Parnasianismo. In A literatura no Brasil. 6ª ed. Global, 2002.

CORRÊA, Mariza. Sobre a invenção da mulata. In: Cadernos Pagu (6-7), Campinas, 1996


DIAS, Reinaldo. Fundamentos da Sociologia Geral. 2ªed. Alínea. Campinas: SP, 2000.


FALEIROS, Vicente de Paula. O que é política social. 5ª ed.SL. Brasiliense, 1991.


FREIRE, Paulo Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.



MOISÉS, Massaud. O romance de tempo histórico in A criação literária. 19ª. São Paulo: Cultrix, 1976.            


AZEVEDO, Aluízio. O cortiço .28ª ed. São Paulo: Ática, 1995.


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Perfil do Autor
Marília do Amparo Alves, Graduanda do curso de Letras Vernáculas na Universidade do estado da Bahia, estudante de escola Biblica , fiz Cursod e teologia popular

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